AULA 3: POSIÇÃO INSTITUCIONAL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
Dando
continuidade ao nosso curso, vamos para o nosso terceiro encontro.
Conforme mencionei no final da aula passada, trataremos de dois temas
por demais controvertidos em nossa doutrina. Na aula de hoje, vamos
estudar a posição institucional dos Tribunais de Contas, bem como a
natureza jurídica das decisões do Tribunal de Contas da União.
Tenho
percebido que, principalmente com relação à natureza jurídica das
decisões do Tribunal, a matéria vem, constantemente, freqüentando, os
concursos públicos.
1 – POSIÇÃO INSTITUCIONAL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
Conforme
vimos em nossa primeira aula, o Tribunal de Contas da União já figurou
no âmbito do Poder Judiciário, Constituição de 1937. Apesar de não
entender que aquela Carta Política deixou suficientemente claro que o
Tribunal de Contas da União deveria figurar no âmbito do Poder
Judiciário, rendo-me a maioria da doutrina que enquadra o Tribunal no
seio daquele Poder. A minha parcial discordância se baseia no fato de
que a Carta de 1937, apesar de colocar o Poder Judiciário e o Tribunal
de Contas da União no mesmo Título, eles se apresentam em Capítulos
diferentes, o que, em minha opinião, permite dupla interpretação.
O
objeto de nossa aula não é fazer um levantamento de onde figurou o
Tribunal de Contas da União no passado e sim tentar enquadrá-lo segundo
o ordenamento jurídico ora vigente no país.
Na introdução da
presente aula, mencionei que o tema não encontrava unanimidade em nossa
doutrina, para provar esse fato, descrevo, a seguir, passagens de
alguns autores acerca do assunto, para depois me posicionar.
Para Rui Barbosa, “é um Tribunal sui generis, possui corpo de magistratura intermediária à administração e à legislatura”.
w.pontodosconcursos.com.br 2
Jarbas
Maranhão apresenta a seguinte descrição: “é um instituto sui generis,
posto de permeio entre os Poderes políticos da nação, o Legislativo e o
Executivo, sem sujeição, porém a qualquer deles”.
Para Celso de Mello, “o Tribunal de Contas, em nosso sistema, é um conjunto orgânico perfeitamente autônomo.”
Já
a administrativista Odete Medauar considera que “sua natureza, em razão
das próprias normas da Constituição é a de órgão independente,
desvinculado da estrutura de qualquer dos três poderes. A nosso ver,
por conseguinte, o Tribunal de Contas configura instituição estatal
independente”.
Antes de adentrarmos ao tema, devemos ter em
mente que o controle externo da administração pública é função afeta ao
PODER LEGISLATIVO, que a exerce com o auxílio do tribunal de contas.
Auxilia, exercendo uma função, não assessorando, nem se submetendo a
qualquer dos Poderes. (art. 71da CF).
Polêmica questão que circunda a nossa matéria diz respeito à subordinação do
Tribunal
de Contas da União ao Congresso Nacional. Alguns autores consideram, no
meu ponto de vista de forma equivocada, que o TCU, por ser auxiliar do
Congresso Nacional na função do controle externo, a ele estaria
subordinado.
Não entendo que todos que auxiliam devem estar
subordinados. Trago como exemplo as funções de cirurgião e anestesista.
Ambos são formados em medicina e são necessários para o sucesso de
qualquer operação. Entendo que estão subordinados ao médico os
enfermeiros, os auxiliares de enfermagem, os instrumentistas etc. Não
considero que o anestesista esteja subordinado ao cirurgião, já que é
figura essencial na cirurgia. O que ocorre é que o anestesista possui
uma função auxiliar a do cirurgião, ou seja, auxilia sem estar
subordinado.
Da mesma forma temos o Tribunal de Contas da União e o Congresso Nacional.
Ambos
têm, de acordo com a nossa Constituição, funções específicas na função
controle externo. Aquele auxilia este sem subordinação. Daqui já
podemos tirar uma importante lição para a nossa prova.
Considerando que é o Tribunal de Contas da União que auxilia o Congresso
Nacional
e não o contrário, temos que a função do controle externo, segundo a
nossa Constituição, pertence ao Congresso Nacional e não ao TCU.
Esse
tema gosta de freqüentar as nossas provas, já sendo cobrado da seguinte
forma: (TCU – CESPE – UNB/1996) O Tribunal de Contas da União:
w.pontodosconcursos.com.br 3 exerce a função de controle externo da Administração Federal, conforme previsto na CF.
A
banca considerou a assertiva incorreta. No meu sentir, agiu de forma
correta a banca, pois conforme acabamos de mencionar, a função de
controle externo é do Congresso Nacional, que a exerce com auxílio do
Tribunal de Contas da União.
Antes de definirmos a posição
institucional dos Tribunais de Contas, tomando como paradigma o TCU,
temos que ter em mente que esses órgãos são independentes e autônomos.
São independentes porque a própria Constituição atribui ao
Tribunal de Contas da União competências próprias e privativas, artigos
3, § 2°, e 71. Não podemos jamais nos esquecer de que as competências
da Corte de Contas não são delegadas pelo Congresso Nacional.
Quanto
à autonomia do Tribunal de Contas da União, ela se faz presente pela
possibilidade de o TCU ditar a forma como pretende atuar para o
cumprimento de sua missão constitucional, pelo fato de possuir
orçamento próprio, bem como por ter iniciativa de lei para definir o
plano de cargos e salários de seus servidores, entre outras
atribuições. Essa autonomia encontra guarida na Constituição Federal, ao
combinarmos os artigos 73 e 96 da Carta Política.
Com relação a esse tema, considero pertinente anotar que o Plenário do Supremo
Tribunal
Federal se posicionou da seguinte forma: “o Tribunal de Contas da União
não é preposto do Legislativo. A função que exerce recebe diretamente
da Constituição Federal, que lhe define as atribuições”.
Agora
que já sabemos que, segundo a CF, a função de controle externo pertence
ao Congresso Nacional, que a exerce com o auxílio do Tribunal de Contas
da União, apesar de este órgão não ser subordinado àquele e que o TCU é
órgão independente e autônomo, podemos, então verificar qual a sua
posição institucional.
Quando queremos definir a posição
institucional de determinado órgão, o que pretendemos na verdade é
colocá-lo na ESTRUTURA de determinado Poder. Isso não quer dizer que
todos os órgãos integrantes de determinado Poder devem exercer as
mesmas funções.
A Constituição Federal registra em seu art. 2°
que são Poderes da União, harmônicos e independentes entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Ao trazer essa definição, o
que pretendia o constituinte originário era dizer que a União, para
atingir os seus fins, terá esses três Poderes. Entendo que esses três
Poderes podem ser w.pontodosconcursos.com.br 4 compreendidos como as
funções que a União deve exercer para atingir seus objetivos. Assim
sendo, temos que qualquer dos três Poderes exerce funções típicas de
outros Poderes. Assim, quando o Executivo edita uma medida Provisória
está, naquele ato específico exercendo a função legislativa. Com
efeito, o que temos que levar em consideração é a função precípua que
cada Poder realiza, pois, como vimos, todos os Poderes exercem funções
dos demais.
Entendo que ocorre, por parte de alguns
doutrinadores, uma vontade exagerada de definir a que Poder determinado
órgão pertence. Acredito que a nossa Constituição realizou de forma
organizacional uma divisão de Poderes. Isso não importa falar que todos
os órgãos que foram inseridos em determinado Poder devem somente
realizar a funções inerentes àquele Poder.
Nessa linha de
raciocínio, entendo que o Tribunal de Contas da União exerce funções
dos três Poderes, apesar de não realizar, de forma precípua, nenhuma
delas, o que dificulta dizer a qual dos Poderes o TCU pertence.
Não tenho a pretensão de defender uma tese acerca da posição institucional dos
Tribunais
de Contas em nosso curso de preparação para concurso público. Entendo
que nossa abordagem deva ser mais objetiva, direcionada para as provas.
Nesse sentido, o que considero importante é demonstrar como o nosso
ordenamento jurídico vem evoluindo com relação ao tema.
De plano, destaco que ORGANIZACIONALMENTE entendo que o Tribunal de
Contas da União está inserido na ESTRUTURA do Poder Legislativo. Chego a essa conclusão por dois caminhos diferentes.
O
primeiro vem de uma leitura bastante atenta da Constituição Federal. O
nosso ordenamento jurídico, de forma geral, apresenta as seguintes
divisões: Livros, Títulos, Capítulos e Seções.
A Constituição
de 8 foi toda estruturada em um único Livro. Geralmente, os códigos são
divididos por Livros, a exemplo do Código de Processo Civil e do Código
Civil.
Assim, para melhor compreensão da posição
institucional dos tribunais de contas, vamos partir da maior divisão
encontrada na CF, ou seja, os Títulos.
A Constituição está
assim estruturada: TÍTULO I – Dos Princípios Fundamentais TÍTULO I –
Dos Direitos e Garantias Fundamentais TÍTULO I – Da Organização do
Estado w.pontodosconcursos.com.br 5
TÍTULO IV – Da Organização
dos Poderes Para o nosso trabalho, o que nos interessa é o Título IV, o
qual está dividido da seguinte maneira:
CAPÍTULO I – Do Poder
Legislativo CAPÍTULO I – Do Poder Executivo CAPÍTULO I – Do Poder
Judiciário CAPÍTULO IV – Das Funções Essenciais à Justiça.
Considerando que o nosso estudo está voltado para o Poder Legislativo,
uma vez que considero que o Tribunal de Contas da União está inserido
na estrutura organizacional daquele Poder, irei, por enquanto,
desprezar os demais Capítulos do Título IV.
Dentro do Capítulo I
– Do Poder Legislativo, encontramos a Seção IX, que trata da
Fiscalização, Contábil, Financeira e Orçamentária. Nessa Seção, temos
que o controle externo será exercido pelo Congresso Nacional, com
auxilio do Tribunal de Contas da União. Dessa forma, concluo que, ao
definir a competência do TCU em Seção destinada ao Poder Legislativo, o
constituinte originário objetivou, ao menos organizacionalmente,
colocar a Corte de Contas no seio daquele Poder.
Nesse mesmo raciocínio, entendo que o Ministério Público não integra nem organizacionalmente qualquer dos três Poderes.
Retornando
ao Título IV da CF – Da Organização dos Poderes, podemos notar que o
constituinte originário não colocou o Ministério Público na estrutura de
nenhum dos Poderes, uma vez que o inclui no Capítulo IV (Das Funções
Essenciais à Justiça) daquele Título. Assim, acredito que o Ministério
Público, ao contrário do TCU não está ligado a qualquer dos Poderes.
O
segundo caminho que me leva a inserir o Tribunal de Contas da União na
estrutura organizacional do Poder Legislativo leva em consideração a
Lei Complementar 101\2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal. O art. 1°,
§ 3°, dessa Lei dispõe que:
Art. 1o Esta Lei Complementar
estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade
na gestão fiscal, com amparo no Capítulo I do Título VI da
Constituição. (...) § 3o Nas referências:
w.pontodosconcursos.com.br 6
I
- à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estão
compreendidos: a) o Poder Executivo, o Poder Legislativo, neste
abrangidos os Tribunais de
Contas, o Poder Judiciário e o
Ministério Público; b) as respectivas administrações diretas, fundos,
autarquias, fundações e empresas estatais dependentes;
I - a
Estados entende-se considerado o Distrito Federal; I - a Tribunais de
Contas estão incluídos: Tribunal de Contas da União,
Tribunal de Contas do Estado e, quando houver, Tribunal de Contas dos Municípios e Tribunal de Contas do Município.
Pela
simples leitura do dispositivo, podemos notar que o legislador teve a
intenção de dizer que os Tribunais de Contas encontram-se na estrutura
do Poder Legislativo.
Mais uma vez, a tese de que o Ministério Público não integra qualquer dos
Poderes também se confirma, pois o legislador trata o MP como estrutura independente.
Pelo exposto, por qualquer dos dois caminhos, podemos concluir que os
Tribunais
de Contas estão organizacionalmente ligados à estrutura do Poder
Legislativo e que o Ministério Público não integra qualquer dos
Poderes.
Para encerrar este polêmico assunto, nunca é demais
lembrar que o titular do controle externo, segundo a nossa
Constituição, é o Congresso Nacional, o qual é auxiliado pelo Tribunal
de Contas da União para o cumprimento dessa missão.
Importante
lembrar que as competências para o exercício do controle, tanto para o
Congresso Nacional, como para o Tribunal de Contas da União, vêm da
própria Constituição, sendo que existem competências privativas do
Congresso Nacional, como no caso do Julgamento das contas do Presidente
da República, e outras privativas do Tribunal de Contas da União, como
a de julgar as contas de gestão dos administradores públicos. Devemos
lembrar, ainda, que existem algumas competências comuns às duas Casas,
como no caso da fiscalização de despesa irregular de que trata o art. 72
da CF.
Esse tema já foi abordado pela Esaf na prova de 2002 da
seguinte forma: O controle externo no Brasil, quanto à fiscalização
contábil, financeira e orçamentária da Administração Pública Federal,
atualmente, comporta atividades diversificadas, compreendidas na
competência privativas umas do Congresso Nacional,
w.pontodosconcursos.com.br 7 outras do Tribunal de Contas da União e
algumas delas com a participação conjugada de ambos esses órgãos.
Pelo que estudamos, podemos perceber que a questão está correta.
2 – NATUREZA JURÍDICA DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
Mais
uma vez, como mencionado na introdução desta aula, estamos à frente de
matéria polêmica. Parte da doutrina entende que a natureza jurídica das
decisões das Cortes de Contas é judicante, enquanto a outra parte
entende que a natureza é administrativa. Logo de início, posiciono-me.
Entendo que a natureza jurídica das decisões dos Tribunais de Contas é
administrativa. Acrescento que a maioria da doutrina possui este
entendimento.
Apesar de entender que a natureza das decisões é
administrativa, necessito expor os motivos que levam ambas as correntes
a chegarem às suas conclusões. Devemos nos lembrar que questões
subjetivas são uma realidade nos concursos para as Cortes de Contas e
essas podem solicitar que o aluno discorra sobre o tema.
Antes
de adentrar a esse tópico específico, quero apresentar a vocês as
funções básicas exercidas pelo Tribunal de Contas da União. São elas:
Fiscalizadora;
A função fiscalizadora é exercida quando o
Tribunal, no uso de suas competências constitucionais, fiscaliza a
atividade dos administradores públicos. O Regimento Interno da Corte de
Contas apresenta os seguintes modos de fiscalização: levantamento,
auditoria, inspeção, monitoramento e acompanhamento. Em momento
oportuno, vamos detalhar cada uma delas.
A função consultiva
encontra guarida tanto na Lei Orgânica do TCU como em seu Regimento
Interno e consiste na faculdade de algumas autoridades consultarem, em
tese, a Corte de Contas.
A função informativa, com previsão
constitucional, consiste no dever de o TCU, como órgão auxiliar do
Congresso Nacional, informar, quando solicitado, aquele órgão o
andamento de trabalhos executados no âmbito da Corte de Contas.
w.pontodosconcursos.com.br 8
A função judicante é praticada pelo TCU ao julgar as contas de gestão dos administradores públicos.
A
função pedagógica é exercida quando o Tribunal orienta os gestores
acerca da forma correta de aplicação da lei, com objetivo de não ser
praticada nenhuma irregularidade.
A função corretiva se dá
quando o Tribunal, ao constatar algum descumprimento à norma legal,
assina prazo para a sua correção.
A função normativa decorre da
possibilidade de a Corte de Contas editar normas para os seus
jurisdicionados em matéria de sua competência.
Quando a própria
Constituição faculta ao Tribunal de Contas da União a possibilidade
de, ante a constatação de ilegalidade ou irregularidade, aplicar sanção
aos gestores, o Tribunal está exercendo a função sancionadora.
Por
fim, a função de ouvidoria possibilita que o Tribunal de Contas da
União atenda a população quanto às suas reclamações, sejam em
decorrência de má utilização de recursos públicos, sejam em decorrência
de conduta inadequada de seus servidores.
Agora que já sabemos quais as principais funções exercidas pelo Tribunal de
Contas
da União, podemos verificar qual a natureza jurídica de suas decisões.
Antes de prosseguir, só quero acrescentar que essas funções serão mais
detalhadas ao longo de nosso curso.
Conforme mencionado no
início deste tópico, a doutrina se divide, quanto à natureza jurídica
da Corte de Contas judicante e administrativa.
Defendem a natureza judicante Pontes de Miranda, Seabra Fagundes e Jorge
Ulisses
Jacoby Fernandes. Apesar de ser um grande admirador das obras desse
ilustres doutrinadores, peço vênias para dissentir deles nesse assunto.
Antes de aprofundarmos na discussão, considero importante esclarecer o que seja a natureza judicante.
Uma
decisão judicante não é necessariamente originária do Poder Judiciário.
A decisão judicante se caracteriza pelo fato de dizer definitivamente o
direito, mesmo que seja advinda de órgão que não seja integrante do
Poder Judiciário.
Certos países adotam o chamado contencioso
administrativo. Por esse sistema, um órgão administrativo pode ter a
competência de dar a última palavra em algumas questões de interesse da
Administração Pública.
Os defensores da tese de que a natureza
jurídica das decisões dos Tribunais de Contas é judicante baseiam-se,
principalmente, no fato de que a Constituição concedeu
w.pontodosconcursos.com.br 9 às Cortes de Contas a competência
privativa de julgar as contas dos administradores. Ademais, entendem
que, ao julgar as contas, a Corte está proferindo a última palavra com
relação à gestão do administrador público. Após a manifestação do
Tribunal, ninguém mais pode dizer se houve ou não irregularidade em
determinada gestão, salvo o próprio Tribunal que proferiu o julgamento.
Cumpre acrescentar que, conforme anteriormente demonstrado, a Corte de
Contas
possui várias funções básicas, sendo somente uma delas a judicante.
Logo, somente quando o Tribunal está realizando a sua competência
constitucional de julgar as contas dos administradores é que a natureza
jurídica de suas decisões seria judicante.
Os defensores dessa
teoria apregoam que não é somente o Poder Judiciário que possui a
função judicante. Como exemplo, trazem a possibilidade de o Congresso
Nacional julgar o Presidente da República nos crimes de
responsabilidade. Defendem que esse julgamento possui natureza
estritamente judicante, pois é, inclusive, presidido pelo Presidente do
Supremo Tribunal Federal. Dessa forma, quando a Constituição concede a
algum órgão competência privativa para julgar, fica claro, na opinião
daqueles doutrinadores, que o constituinte concedeu natureza judicante
às decisões dos órgãos com competência para o julgamento.
Esses
são os motivos dos doutrinadores que defendem a natureza judicante às
decisões dos Tribunais de Contas, quando essas Cortes estão no exercício
da competência constitucional de julgar as contas dos administradores
públicos.
A seguinte passagem do Conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal,
Prof.
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, ilustra bem essa tese (in Tribunais de
Contas do Brasil – Jurisdição e Competência. Belo Horizonte: Fórum, 1°
ed., 2003, p 123 e 124):
“A Constituição Federal admitiu
expressamente várias exceções a esse decantado monopólio absoluto do
Poder Judiciário, como será visto adiante, em outros casos, o
constituinte não excluiu expressamente o direito de ação perante esse
poder, mas declinou a competência para julgar a órgão que não o integra
expressamente. Assim, procedeu nesse breve elenco:
• Contas prestadas pelo presidente da República (competência exclusiva do Congresso Nacional);
•
O presidente e o vice-presidente da República, nos crimes de
responsabilidade, e os ministros de Estado, nos crimes da mesma
natureza, conexos com aqueles (competência privativa do Senado
Federal); w.pontodosconcursos.com.br 10
• Contas dos
administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores
públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e
sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as
contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra
irregularidade de que resulte prejuízo ao erário (competência do
Tribunal de Contas da União).”
Em seguida, o mesmo autor
assevera que: “Em recente estudo, Raimundo de Menezes Vieira assinala
que ‘a segunda hipótese’ – referindo-se à exceção ao monopólio
jurisdicional do poder Judiciário – ‘se refere às decisões dos
Tribunais de Contas de que resulte imputação de débito ou multa, em
razão do julgamento da regularidade das contas dos administradores e
demais responsáveis por bens e valores ou aplicação de bens ou fundos
públicos...”
Uma vez visto a corrente que defende a natureza judicante das decisões das
Corte de Contas, passemos agora ao estudo da corrente que defende a natureza administrativa.
Os que defendem a natureza administrativa (Valdecir Pascoal; José Cretella Jr.;
José
Afonso da Silva e Odete Medauar) entendem que o ordenamento jurídico
pátrio, partindo do preconizado no inciso XXXV do artigo 5° da
Constituição Federal, adotou o sistema de monopólio da tutela
jurisdicional pelo Poder Judiciário. Assim, consideram que as decisões
adotadas pelos Tribunais de Contas estão sujeitas ao controle
jurisdicional.
A posição dominante na doutrina é que o Brasil
não adotou o chamado contencioso administrativo. Dessa forma, todas as
decisões tomadas fora do âmbito do Poder Judiciário podem ser por este
revistas, o que afasta a hipótese de as decisões dos Tribunais de
Contas terem natureza judicante.
Como mencionado no início deste
tópico, filio-me à parte da doutrina que defende a natureza
administrativa. Tenho esse entendimento baseado não somente nos fatos
apontados pelo ilustres doutrinadores aqui apontados, mas também pelos
motivos que passo a expor.
Cumpre deixar claro que o Poder
Judiciário não pode rever por completo as decisões das Cortes de
Contas. A Constituição Federal concedeu competência própria e privativa
para que os Tribunais de Contas julguem as contas de gestão dos
administradores públicos. Nesse sentido, nenhum outro órgão ou Poder
pode fazer as vezes dos Tribunais de Contas nessa missão.
w.pontodosconcursos.com.br 1
Assim, quanto ao mérito da gestão de determinado administrador, somente as
Cortes
de Conta têm competência para se pronunciar. Dessa maneira, não cabe ao
Poder Judiciário rever o mérito do que foi apreciado pelos Tribunais
de Contas. Ao Poder Judiciário somente caberá a verificação se houve,
por ocasião do julgamento das contas, o cometimento de alguma
ilegalidade. O que, em essencial, é questionado na Justiça é se foram
obserados os princípios do contraditório e da ampla defesa, preceitos
garantidos pelos incisos LIV e LV do artigo 5° da Constituição.
De
forma semelhante, ocorre com a apreciação do ato administrativo por
parte do Poder Judiciário. Pela doutrina do saudoso Prof. Hely Lopes
Meirelles, são requisitos do ato administrativo a competência, a forma,
a finalidade, o motivo e o objeto. Em geral, o Poder Judiciário não
pode apreciar os requisitos relacionados à discricionariedade do ato,
ou seja, o motivo e o objeto ficam afastados da apreciação.
Pela
similaridade do poder revisional que ocorre com os atos
administrativos, entendo que as decisões dos Tribunais de Contas
possuem natureza administrativa.
O mais importante para o nosso
curso é que as bancas de concurso vêm entendendo que a natureza
jurídica das decisões dos Tribunais de Contas é ADMINISTRATIVA.
Nesse
sentido, apresento as seguintes questões cobradas em provas anteriores:
O Tribunal de Contas da União tem a natureza jurídica de um órgão
(ESAF ACE/2002) a) legislativo b) judicante c) administrativo d)
essencial à função judicante e) essencial à função legislativa A banca
deu como resposta correta a alternativa C.
(AGU-9) O TCU possui
função: (1) judiciária, por ser órgão de controle, e administrativa,
por ser órgão de controle auxiliar do Executivo. (2) administrativa,
por ser órgão auxiliar do Legislativo. (3) administrativa e judiciária,
por ser órgão auxiliar do Judiciário. (4) judiciária, por julgar as
contas da União. (5) administrativa, por ser órgão de controle interno
do Judiciário.
w.pontodosconcursos.com.br 12
Para essa questão, a banca considerou como correta somente a assertiva 2.
Prosseguindo,
considero bastante importante acrescentar que, apesar de as decisões
dos Tribunais de Contas estarem sujeitas ao controle jurisdicional, não
cabe recurso ao Poder Judiciário das decisões emanadas das Cortes de
Contas.
A revisão da decisão pelo Poder Judiciário é realizada
por uma ação autônoma, normalmente por meio de mandado de segurança
impetrado no Supremo Tribunal Federal. Ação autônoma é diferente de
recurso, pois o recurso pressupõe que o mesmo processo seja reapreciado
pelo mesmo tribunal ou por tribunal superior, o que não ocorre no caso
de revisão jurisdicional pelo Poder Judiciário das decisões dos
Tribunais de Contas.
Questão nesse sentido foi cobrada na prova de 1999 para o cargo de Analista de
Controle Externo do Tribunal de Contas da União.
(TCU-ESAF\1999)
As decisões do Tribunal de Contas da União, no uso da competência que
lhe confere a Constituição, no atinente às suas funções institucionais
de controle externo da Administração Pública Federal, de um modo geral,
são: a) irrecorríveis; b) insusceptíveis de reapreciação em sede
judicial pelo Poder Judiciário; c) recorríveis, mas apenas para o
próprio TCU; d) recorríveis, para o Congresso Nacional, do qual ele é
órgão auxiliar; e) recorríveis, extraordinariamente, para o Supremo
Tribunal Federal;
A resposta que a banca considerou como correta foi a letra ‘c’. Das decisões das
Corte de Contas só cabe recurso direcionado à própria Corte que proferiu o julgamento.
A
questão relacionada à natureza jurídica das decisões dos Tribunais de
Contas é tão complexa que a Prof.ª Maria Sylia Zanella Di Pietro (in
Coisa Julgada – Aplicabilidade das Decisões do Tribunal de Contas da
União. Revista do TCU, v. 27, p. 23. out;dez 1996) entende que as
decisões das Corte de Contas se colocam em posição intermediária entre
as naturezas judicante e administrativa:
“Todos os aspectos do ato que envolvam legalidade podem ser apreciados pelo
Poder
Judiciário, sob pena de ofensa ao artigo 5° ,inciso XXXV, da
constituição. E sabe-se que, hoje, o controle exercido pelo Poder
Judiciário é muito mais amplo, em virtude da própria amplitude que
adquiriu o princípio da legalidade. Este deixou de ser visto em seu
aspecto puramente formal, para ser encarado também no seu aspecto
material, em que se exige a vinculação das leis aos ideais de justiça,
com todos os w.pontodosconcursos.com.br 13 valores e princípios
assegurados implícita ou explicitamente na Constituição, já a partir do
preâmbulo. Pode-se afirmar que a decisão do Tribunal de Contas, se não
se iguala à decisão jurisdicional, porque está também sujeita ao
controle pelo Poder Judiciário, também não se identifica com a função
puramente administrativa. Ela se coloca a meio caminho entre uma e
outra. Ela tem fundamento constitucional e se sobrepõe à decisão das
autoridades administrativas, qualquer que seja o nível em que se
insiram na hierarquia da Administração Pública, mesmo no nível máximo da
chefia do Poder Executivo.”
De todo o exposto, podemos concluir, também, que as decisões das Cortes de
Contas
vinculam a Administração Pública, que deverá cumprir as deliberações
dos Tribunais de Contas. Dessa deliberação, caso o administrador se
sinta prejudicado, caberá recurso ao próprio Tribunal que a proferiu.
Pode, ainda, o administrador ingressar com ação própria junto ao Poder
Judiciário, a fim de desconstituir a decisão da Corte de Contas.
Assim,
chegamos ao final de mais um encontro. Na aula de hoje tivemos a
oportunidade de verificar dois temas bastante polêmicos: a posição
institucional dos Tribunais de Contas e a natureza jurídica das
decisões das Corte de Contas.
Com relação ao primeiro tópico,
apesar de toda discussão que a doutrina apresenta, defendo a posição
que as Cortes de Contas encontram-se, ao menos, ORGANIZACINALMENTE,
ligadas à estrutura do Poder Legislativo.
Já com relação à
natureza jurídica das decisões das Cortes de Contas, verifico que a
doutrina se divide em judicante e administrativa, sendo que esta última
posição ganha a adesão da maioria dos doutrinadores e das bancas de
concurso.
No próximo encontro, vamos começar a estudar os aspectos constitucionais do
Controle Externo, com maior ênfase às competências do Tribunal de Contas da União.
Continuem estudando. Até breve!
Nenhum comentário:
Postar um comentário